Comunicado recebido a 05/04/2017
Os poderosos no Paraguai são sempre donos de tudo inclusive dos conflitos sociais e políticos. Os seus tentáculos são vários. Ao povo é reservado apenas o papel de espectador ou peão. Forçadas a participar dessa forma, as pessoas às vezes despertam e reinventam o conflito, de acordo com seus próprios interesses e objetivos, rompendo com o que as elites esperam dele, superando o papel atribuído e mudando radicalmente a situação.
Foi o que assistimos a 3i de Março. A queima do Congresso não estava nos planos da elite para gerir o seu conflito interno, mas era o desejo do povo – já que simboliza nessa instituição anos, décadas, de opressão política a que deve pegar fogo. As pessoas decidiram dar saída aos próprios desejos e viverem a felicidade de queimar o Congresso, forçando todos os planos pré-estabelecidos, escapando ao controle do poder, tornando-se fogo.
Os fatos mudam quando as pessoas participam e se tornam protagonistas da sua história e – assim como expropriam a sua vida a cada momento – podemos expropriar os seus conflitos com os poderosos e torná-los nossos, nesse momento. Os poderosos não gostam que as pessoas escapem ao seu controle – quando os seus operadores apelam à imobilidade, esse apelo é feito em nome de uma paz que é para os interesses daqueles e de si próprios, não para o povo. Esses momentos podem ser muito curtos: agora já estão a apelar à paz social, à imobilização.
Os momentos e processos populares que ocorrem em situações críticas – como a que se experimentou em 31 de Março – não se encaixam nos planos ou no sentir das pessoas que se dedicam à teorização política, já que nada vêm para além dos seus planos partidários.
A ação direta e a mobilização nas ruas são pedagogia em movimento e as pessoas descobrem ali que são mais autónomas do que pensavam – numa experiência libertadora e construtiva de conflitualidade social – reagindo contra anos de desigualdade e abusos políticos. As histórias individuais e colectivas das pessoas tanto se operam como se materializam nas ações concretas – contra o que se apercebem diariamente como poder – e na solidariedade com quem esteja ao nosso lado e sofra a mesma repressão. Soberbo é rotular estas ações de “improvisação”.
A violência policial nada tem de estranho ou suspeito, nem constitui uma surpresa como agora se diz. Desta vez a polícia – uma vez fora das câmaras de TV – começou a transformar as ruas de Assunção numa cena dos anos 70 do stronismo, prendendo arbitrariamente que passava, inclusive longe da zona de conflito – na noite de 31 de Março e nas primeiras horas de 1 de Abril – com mais de 200 detenções, ataques à comunidade LGBTIQ, violência machista, torturas, repressão violenta e desmedida e, especialmente, assassinando a sangue frio o jovem Rodrigo Quintana, depois de assaltar um local da oposição política.
A constitucionalidade, o institucional ou legal não são temas de fundo e isso todxs o sabemos. A legalidade é o exercício do poder sujeito aos seus interesses, num certo momento, é por isso que muda quando mudam os seus interesses. A violência do Estado é uma resposta para apagar a crise política provocada no seu próprio seio. Não nos surpreende mas não deixa de nos indignar. O assassinato de Rodrigo Quintana não merece impunidade
Agora é hora de entrar em ação, de realizar a experiência de autonomia na ação direta, contra todo o prognóstico e do que é esperado das pessoas – submissão, obediência às linhas pré-estabelecidas nas sedes partidárias, o papel do aprendiz e espectador.
Aproveitemos o momento, não se cumpram os papéis estabelecidos – deixemos por um momento de ser espectadores.Sejamos povo, sejamos ação.
Coordenadora de Grupos e Individualidades Anarquistas de Assunção – COGIA