Quando ouvimos os ecos que perfuram as paredes da Prisão de Forest, quando sofremos o seu confinamento em celas apodrecidas, quando visitamos alguma pessoa próxima, completamente arruinada pela detenção, há apenas uma reacção saudável possível: o grito da raiva.
Os anos passam e os suicídios e mortes nesta prisão de Bruxelas começam a ter relação entre si, os escândalos que ocasionalmente surgem desaparecem tão depressa como apareceram e as condições dos detidos são cada vez piores. Os anos passam e por cada dia que esta prisão permaneça de pé isso de alguma forma nos torna a todos cúmplices das atrocidades infligidas pelo Estado em nome da lei e da ordem. Certo é que não se pode esquecer que existem alguns com mais responsabilidade nesta situação: os políticos, os directores da prisão, os guardas – carrascos, os médicos que encobrem estas abjecções com o seu silêncio ou ainda as empresas que fazem negócio no seu seio. Mas a sombra da Forest pesa sobre todos nós. Ela também existe porque continuamos a aceitar a sua imposição.
Vejamos: a linha divisória entre interior e exterior não é assim tão evidente quanto se gostaria de acreditar. Quando através do nosso silêncio, ou da nossa indiferença, apoiamos a existência ao lado das nossas casas de um lugar tão abjecto como a Prisão de Forest, as paredes não terão grossura suficiente para nos livrar da totalidade da responsabilidade. A prisão é uma questão que nos diz respeito a todos, quer nos agrade ou não.
Que fique isto claro. Falarmos disto aqui não é para se deprimir ou para “lamentar” o destino dos detidos. É um grito de raiva, porque por si só este grito poderia ser capaz de parar o que está a acontecer atrás do arame farpado da Prisão de Forest. Por si só poderia levantar o peso e levar um pouco de ar fresco a estas celas infectadas. Por si só poderia libertar-nos, nós os que estamos cá fora – ou melhor ainda do lado de fora, porque do banqueiro, do patrão ou dos ricos, os rebeldes, os excluídos ou os explorados – temos fortes possibilidades de vir a esbarrar a prisão no nosso caminho, mais ainda do que sentir a sombra da Forest.
O grito da raiva é por isso. De raiva, sublinhe-se, não um simples apelo à ajuda. Que sentido teria dirigirmos-nos aos políticos e gestores deste mundo para lhes pedir alguma coisa? O que há ainda a falar com os responsáveis que ao longo dos anos têm aprovado activamente a situação atroz da prisão de Forest? A raiva não procura convencer os altos comandos, deve procurar terminar imediatamente e por si só com uma situação que é insuportável. Tudo o resto, até mesmo as iniciativas caricativas com a melhor das intenções contribuem apenas para perpetuar a situação.
E vai-se ainda mais longe. Hoje, o Estado serve-se vergonhosamente das condições atrozes na Prisão de Forest para promover o seu plano de construção uma maxi-prisão em Bruxelas. Ao jogar com a repulsa que sentimos pela forma como tratam os detidos quer-nos fazer aceitar um projecto para um maior confinamento. Mais humano, dizem eles. Para lidar com a sobrelotação, dizem eles. Para finalmente fechar a Prisão de Forest, dizem. Entretanto, até à maxi- prisão ser construída, ou seja, pelo menos durante alguns anos a situação na Forest continuará igual. Como podemos acreditar que as pessoas que durante anos têm sido capazes de usar a prisão de Forest para quebrar milhares de pessoas, validando as atrocidades que aí são infligidas aos detidos, não farão exactamente o mesmo, uma vez que a nova prisão surja à luz do dia?
Para nos livrarmos das últimas ilusões sobre a humanidade do Estado, temos de entender as razões porque é que a Prisão de Forest é que é hoje. Não se trata nem de um acidente nem resulta de qualquer acaso trágico ou aberração infeliz. É uma escolha. A escolha, por parte do Poder, de injectar docilidade nos bairros de Bruxelas. Para aterrorizar aqueles e aquelas que são levados a enfrentar a lei. E não se enganem, uma nova prisão terá exactamente a mesma exigência. Embora a prisão possa assumir formas menos “atrozes” (considerando contudo que prender alguém é já em si mesma uma tortura) amanhã, para melhor cumprir a sua função de punição e terror, irá certamente recorrer a equipas de guardas espancadores, a celas para três ou quatro detidos, ou à destruição dos detidos por doença e falta de higiene…o fantasma da Forest assombra qualquer prisão, seja ela nova ou velha.
Este grito de raiva é, portanto, também um grito carregado de futuro. Não a aceitando hoje preparando-nos para não a aceitar amanhã. É por isso que devemos fechar a Forest, agora. Temos de a fechar. Demoli-la, para que não possa ser construída de novo. Com a força da nossa rejeição e a violência da nossa revolta. Arruiná-la.
Insalubre e inabitável, a Prisão de Forest deve-se tornar incontrolável. Os presos podem começar a fazer revoltas e rebeliões e, também, sabotagem. A Prisão de Forest está tão deteriorada que a sabotagem das condutas de água, aliadas aos circuitos eléctricos danificados poderiam torná-la incontrolável (o que implicaria automaticamente o seu encerramento, come o da Prisão de Verviers, há uns quatro anos). De inundação em inundação, incentivando as pessoas próximas de nós no interior da Forest, para acelerar o encerramento desta por sabotagem; vamos estar ao seu lado para que sintam a nossa cumplicidade e solidariedade.
No lado de fora também, podemos meter o nosso grão de areia para fazer explodir esta engrenagem infernal. Os responsáveis políticos, as instituições cúmplices, as empresas que lucram com isto, os colaboradores deste trabalho repressivo não são protegidos por muros ou por arame farpado. Encontra-mo-los frequentemente na esquina da nossa rua. Façamos-lhes o dia a dia impossível…o seu dia a dia de semear e validar o terror que reina na prisão de Forest. E quando arrancarem para um motim na prisão de Forest restabeleçamos um passado não muito longínquo, quando descíamos as ruas de pedras e molotov na mão, para fazermos também um motim nas ruas da necrópole.
Se queremos demolir imediatamente e pelas nossas mãos a Prisão de Forest não é certamente para aceitar uma maxi-prisão depois. Estes dois combates, contra estas duas prisões, andam de mãos dadas. No seu cerne encontram-se a liberdade e a solidariedade. E isso é o que os torna extremamente explosivos.
fonte: la cavale