[Este texto serviu de introdução ao debate realizado na Casa Viva (Porto), no dia 5 de Abril de 2014, integrado no evento “Sábados com Anarquia”]
No confronto entre o individuo e a realidade com que este se depara é inevitável o aparecimento da pergunta “o que fazer?” e o seu corolário “como o fazer?”. Perante esta interrogação, diferentes estratégias, derivadas de diferentes perceções sobre a luta “política”, são desenvolvidas e postas em prática.
Abordamos hoje a mentalidade e prática ativista, posicionando-nos criticamente em relação a um modo especifico de entender e intervir no confronto com o existente. Apresentamos aqui alguns tópicos para um debate que pretendemos que vá além desta pequena introdução.
De um ponto de vista meramente etimológico, podemos descrever o ativismo como a ideologia da atividade (diferente de ação), como um tipo de mentalidade que pressupõe um frenesim e um fetichismo pela atividade (quanto a nós a maior parte das vezes inócua) que descura uma análise aprofundada da realidade concreta em que se vive e que muitas das vezes se cinge a uma tentativa de remendo das injustiças criadas pela organização social existente ao invés de apostar pela sua destruição.
À falta de uma perceção concreta do terreno em que se move, o ativismo multiplica-se em ações que podem ir desde o abaixo-assinado da cidadania indignada ao boicote ao consumo desta ou daquela marca de refrigerantes, passando pela manifestação folclórica ao ritmo de tambores que na maior parte das vezes só servem para abafar as palavras de ordem e que a nosso ver retiram qualquer aspeto combativo que, eventualmente, possa ter a manifestação. Esta falta de análise da realidade em que se encontra, leva também à importação de modelos que (para alguns) tiveram sucesso noutros pontos do globo mas que a maior parte das vezes são completamente inadequadas ao sitio e ao momento onde são aplicados.
Outro do aspetos que nos gostaria desenvolver nesta discussão é o fetichismo da opinião pública. Não interessa, pois, que a opinião pública não exista per si, que seja uma coisa criada pelos meios de comunicação de massa, há que convencer esse “fantasma” chamado opinião pública de que a nossa luta é justa e para o bem comum. Como conclusão deste tipo de pensamento, e à semelhança da esquerda bem pensante, há que ganhar as massas para o nosso lado e para isso há que ser ordeiro e bom cidadão para aparecer bem na fotografia do jornal ou no ecrã da televisão. De facto, não raras vezes o discurso ativista está impregnado de palavras como “cidadania”, “justiça”, “democracia”, ou seja, a linguagem da mais básica social-democracia.
Como vemos, ao invés de expandir os limites do conflito, o ativismo mantém-no nos limites da linguagem impostos pelo sistema dominante, não importando que algumas das vezes utilize métodos que poderiam ser considerados radicais, como a ação direta, a sabotagem, a horizontalidade ou a auto-organização. Estes métodos que historicamente pertencem às franjas mais radicais do movimento político foram hoje tomados de assalto por um sem número de grupos dos mais variantes quadrantes dos quais o mais bizarro seriam os nazis autónomos. Então, vemos que não é pelos métodos empregues em determinada situação que se poderá definir a posição em que alguém ou algum grupo se encontra na luta pela destruição do atual estado das coisas ou até mesmo, que seja esse o seu objetivo.
Gostaríamos também de falar no papel dado às lutas específicas que cristalizam na chamada campanha por este ou aquele motivo. Perante um determinado problema, não raras vezes vemos um despegar de energias e recursos tendo em vista o alertar para esse mesmo problema e “fazer alguma coisa sobre o assunto”. Assiste-se aqui a um autentico proliferar de discursos e ações, a maior parte das vezes inócuas, e que mais uma vez resultam mais do “ter que fazer porque é certo” e para expurgar culpas auto-induzidas do que verdadeiramente aproveitar esses pequenos conflitos para uma critica mais ampla e mais radical aos motivos que provocam o existir desse problema. Perante isto, vemos os abaixo assinados, os distribuidores de panfletos e quando se supõe estar o caldo propício, a ação de rua e (raras vezes) a sabotagem simbólica. O fato de ser uma luta ou até uma associação específica leva a que se juntem pessoas cuja única afinidade entre elas seja a resolução desse problema específico, eventualmente coabitando no mesmo espaço pessoas com posturas politicamente opostas.
Por outro lado, pensámos que mesmo que uma campanha tenha sucesso, nunca se poderá considerar uma vitória pois o fato de se terem atingido os objetivos de determinada campanha não se trata de uma vitória mas sim de um reajustamento do sistema, ou seja, uma retirada estratégica.
Por último, e para não nos alongar-mos muito nesta introdução, queríamos só referir uma consequência (diríamos quase que inevitável) da mentalidade ativista que é a “profissionalização” ativista. Quantas vezes não olhamos à nossa volta e não vemos os profissionais do protesto, os que sabem como e quando se fazem as coisas. Para nós, semelhante postura é incompatível com uma luta pela abolição das hierarquias e dos papeis sociais. Já não bastava que o papel reservado ao ativismo fosse o de (no interior do sistema) ser o “agente credenciado” da mudança social, ainda por cima haver no seu seio aqueles que, devido aos anos “dedicados” ao “movimento”, sejam lideres informais no combate à injustiça de hoje e que provavelmente serão os administradores da justiça de amanhã.
Estes são apenas alguns aspetos que gostaríamos de ver discutidos sabendo que muitos mais haverá a falar sobre este tema em especifico, e que estamos seguros que durante a discussão que se seguirá surgirão. O nosso objetivo é que através deste debate se possam partilhar e clarificar pontos de vista e que através da discussão honesta e profunda, possam, por um lado, ser criadas novas afinidades entre companheiros para que o conflito social se expanda e, por outro, separemos as águas em que nos movemos.
Porto, 5 de Abril de 2014