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Setúbal, Portugal: Acção de solidariedade com a COSA à porta do tribunal – 2/06


Como convocado, pelas 09:00 da manhã de sexta-feira, dia 2 de Junho, um grupo grande de pessoas concentrou-se à porta do Tribunal de Setúbal. Acompanhados de um vasto pequeno-almoço, estendemos as faixas que levámos connosco e começámos a distribuir panfletos com o texto “Porque temos de parar o despejo da COSA” enquanto esperávamos pelo início da sessão. Alguns companheires vestiam t-shirts que diziam “Somos Todes COSA”.

Pelas 09:30, quando já se contavam mais de 50 pessoas lá fora e começou a música e os Ritmos de Resistência, os advogados, companheiras notificadas e um grupo de 8 pessoas entraram para assistir à audiência o que provocou o primeiro “confronto” com o tribunal: a juíza anunciara que a sessão seria à porta fechada e só os “envolvidos” podiam assistir, pelo que as restantes companheiras foram impedidas de passar da entrada do tribunal.

As companheiras notificadas ao entrar na sala de audiências foram revistadas pela polícia e obrigadas a desligar os telefones, não como uma atitude regular de segurança, mas sim como uma óbvia atitude discriminatória: porque SÓ elas foram alvo destas medidas.

Mal a audiência começa, o nosso advogado levanta objecção a estas medidas da juíza, nomeadamente a proibição de público na sala, ao que a juíza responde que “nunca na minha vida fiz uma audiência prévia com assistência”. Confrontada com o facto de na anterior audiência deste caso (igualmente “prévia”) terem estado 3 pessoas a assistir, esta respondeu que “não se lembrava”, o que os restantes participantes estranhamente corroboraram (advogado dos “proprietários”, procuradora do ministério público e secretária).

Houve então a necessidade por parte do nosso advogado de aludir a José Saramago e o seu “Ensaio sobre a cegueira”, livro que se tornou uma referência recorrente no resto da sessão.

Enquanto isso, lá fora o protesto crescia, com muita gente a participar, curiosos que paravam para perguntar, carros que buzinavam em solidariedade e um som ensurdecedor de tambores, pandeiretas, copos, panelas e trompete que ecoavam tanto pela baixa da cidade como dentro do tribunal, incluindo na sala de audiência.

Contrariamente ao que tinha ficado combinado na última audiência, os proprietários nunca chegaram a entrar em contacto connosco para uma possível negociação, e perante a pergunta da juíza e do nosso advogado a razão apresentada foi a de que afinal “não havia interesse numa proposta”.

Deu-se então lugar às partes para apresentarem as suas “alegações finais”. O nosso advogado apresentou então uma longa lista de falhas e erros processuais, pediu requerimentos para anotar a discriminação de que as várias companheiras e solidários foram alvo, e conseguiu que uma juíza já determinada há meses a proferir sentença e ordem de despejo tivesse que fazer um intervalo de vinte minutos para se decidir. Como esperado, a juíza não aceitou os argumentos para levar o caso a julgamento e ditou a sentença que já tinha há muito redigida: as rés (nós) devemos restituir o imóvel aos (agora provados) legítimos proprietários. Decisão sobre a qual vamos apresentar recurso.

Resumindo: Mais de 16 anos depois de um grupo incontável de pessoas terem ocupado, limpo, cuidado e recuperado uma casa no Bairro Salgado que, caso contrário, por esta altura seria uma ruína, e mais importante ainda terem construído, animado, agitado e mantido um centro social pleno de actividades culturais, sociais, políticas, boémias e educativas sem qualquer tipo de apoios estatais, municipais ou institucionais; depois de termos apenas dependid de uma rede de indivíduos e colectivos autónomos que criam alternativas de auto-suficiência e liberdade; fomos chamados a uma casa de Injustiça por uns “proprietários” que nunca deram a cara por nenhuma das suas 19 propriedades que deixaram ao abandono durante mais de duas décadas. Proprietários esses que, mesmo sabendo que queríamos abrir negociação, nunca se dignaram a falar connosco; através de um processo recheado de preconceitos e ideias estigmatizantes, onde nem sequer tivemos palavra nem direito a um julgamento, fomos condenadas a abandonar a Cosa.

No entanto, provámos uma vez mais que é na rua que as nossas palavras se fazem sentir, que conseguimos ter diálogos com curiosos e solidários e que colectivamente conseguimos gritar mais alto e levar as nossas ideias mais longe. Foram três horas de protesto sonoro constante, que não deixaram indiferentes centenas e centenas de pessoas numa zona que concentra o tribunal, segurança social, centro de saúde e outras instituições. Um protesto matinal (e extremamente pontual!) para o qual contribuíram muitas dezenas de pessoas, e que é mais um passo que damos juntos na resistência pela defesa, não só de uma casa, mas de uma ideia que nunca nenhum tribunal poderá despejar!

E agora?
Que se espalhe a palavra, que se espalhem as ideias e as acções….
O centro social mantém-se aberto às quintas-feiras e…todes a Setúbal no *Domingo 2 de Julho*, para uma concentração contra o despejo…
Porque isto ainda agora começou…

A COSA FICA!