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[Praga, República Checa] Veredito do caso Fénix: Acusadxs absolvidxs

REPRESSÕES NA CHAMADA REPÚBLICA CHECA, OUTONO DE 2017  – O JULGAMENTO FÉNIX – ACUSAÇÕES REFUTADAS – MINISTÉRIO PÚBLICO APELOU – 3 ANOS DE FALTA DE EVIDÊNCIAS – 3 ANOS QUE LIXARAM COMPLETAMENTE AS NOSSAS VIDAS

PANFLETO ANTI-FÉNIX

3 anos de falta de evidências – 3 anos que lixaram completamente as nossas vidas

O clamor do caso Fénix consiste num conjunto de acusações de muitos crimes, variando da auto-intitulada “promoção do terrorismo” à preparação de ataques terroristas. Foram estes foram os mais discutidos até ao final do julgamento no Tribunal Municipal em Praga. No veredicto, o juiz declarou a absolvição de todxs xs cinco réus do caso Fénix ​​1. É uma vitória? Porque é que essa decisão não é definitiva? O artigo que se segue é a tradução de uma visão geral – já com mais de um mês – sobre as audiências do tribunal e algumas análises sobre da nossa situação e experiência, originalmente escritas em língua checa.

Esta longa audiência foi acerca de cinco anarquistas. Três delxs eram acusadxs ​​de planificar um ataque terrorista a um comboio que transportava apetrechos militares. 2 delxs foram acusadxs ​​de saber sobre tais planos e de não ter impedido xs presumíveis autorxs. Duas dessas cinco pessoas também foram acusadas de preparar um ataque com cocktails molotov contra carros da polícia durante o desalojo da okupa Cibulka. Basicamente, de acordo com os polícias implantados, existem no total cinco pessoas e três diferentes crimes nos quais estão envolvidas. (E tudo isso é apenas no caso do Fénix ​​1, porque algumas dessas pessoas estão a ser confrontadas com novas acusações, no contexto do Fénix ​​2).

No grupo onde xs cinco acusadxs ​​estavam envolvidxs, havia dois polícias infiltrados. Esses indivíduos prepararam de forma ativa os dois ataques e também os iniciaram, em parte. No entanto, o juiz não avaliou as suas ações enquanto provocação – visto os materiais que detectariam isso não estarem disponíveis.

A juíza, Hana Hrncirova, enfatizou que absolveu todxs xs acusadxs precisamente por falta de suficiência de provas. Destacou a falta de transparência do trabalho da polícia: “A razão que levou o tribunal a tomar tal decisão baseia-se no fato do juíz, durante a avaliação das evidências, ter expressado fortes dúvidas sobre a transparência dos métodos da polícia – tanto antes do início da ação penal como quando foi legalmente permitido envolver os agentes implantados no caso “ afirmou ela.

Sublinhou ainda, a juíza, que a polícia atuou sem ter mandato durante meses e quando o advogado da defesa pediu os registos de sua atividade, não os tinham: “O tribunal não possui vestígios de registos, nem de um ao menos”, disse a juíza. Por fim afirmou que: “O advogado de defesa tentou obter esses materiais porque se pode supor que, com base nessas permissões individuais, deveria haver algum registo nalgum lugar. Esses registos, no entanto, nunca viriam a ser incluídos no arquivo.”

De acordo com o que a polícia afirmou, os materiais dos primeiros meses de infiltração “não existem ou não podem ser usados”. Então, temos outra pilha de arquivos que existem, arquivos com uma transcrição das comunicações de telefone celular gravadas e que, de fato, podem ser usados. Especialmente para provar que os agentes secretos, a infiltração e a construção do caso não são uma questão do passado, como ouvimos com muita frequência. Cómico não deixou de ser o momento, quando o juiz levantou esta pilha sobre a cabeça (é um volume de cerca de 400 páginas A4) e disse que, a partir de todas essas transcrições, nenhuma coisa tem algum valor como evidência.

A decisão não é definitiva porque o promotor público Pazourek achou que ainda não tinha destruído a vida das pessoas o suficiente e apelou. Enquanto ex-polícia, acredita que a polícia atuou corretamente e espera que a Supremo Tribunal de Recurso confirme a sua opinião. Certamente que fará o possível para encontrar algo que “deve estar lá e pode ser usado”. Podemos, simplesmente, esperar que este caçador de anarquistas – propondo um mínimo de 12 anos de prisão para xs acusadxs no caso Fénix e desempenhando também um papel no Fénix 2 – tenha elementos sem valor de evidência no próximo julgamento, também.

Ao contrário de Pazourek, o ministro do interior – amante de armas, social-democrata – Josef Chovanec, não tem tempo para esperar pelo Tribunal de Apelação. As eleições parlamentares estão a aproximar-se e ele tem que dar prioridade ao polimento da imagem – apresentando-se como um justo e bom pai. E, portanto, após três anos, percebeu de repente, que no caso Fénix, “algo não está certo”. No seu perfil do “Twitter”, deixou alguns comentários fazendo referência a fatos pertencentes à história checa: “Se se prova que se trata, apenas, de uma provocação policial, pedirei um caso de investigação minuciosa e  a punição dos culpados. A polícia de um estado tão democrático […] não pode destruir arbitrariamente a vida das pessoas, e isso independentemente do seu pensamento político. Espero que o “julgamento de Omladina”* pertença à nossa história e não ao nosso presente“. Pena que não estivesse lá a dizer essas palavras quando, no momento da prisão de Martin Ignacak, o detetive principal Palfiova, olhando para o arquivo, declarou: “nós podemos fazer tudo!”

Se o próprio Chovanec é, ou não, direta ou parcialmente responsável pelo processo contra o movimento anarquista, não sabemos e demorará muito tempo ainda até descobrirmos. Certamente que – se o tribunal enviasse as cinco pessoas para trás das grades – podemos apostar que iria tocar nos ombros dos seus amigos “pelo bom trabalho que fizeram”. Agora, quando o contrário aconteceu, pode sempre culpar  – pelos erros e abuso de poder – apenas alguns indivíduos de um aparelho policial e punitivo que, de outra forma. é “impecável” e “útil para toda a comunidade”.

A falta de provas ganha

Para muitos de nós, o veredito do Tribunal é um alívio. Por um momento, podemos respirar, nos encontrar para jantar e ver xs nossxs amigxs – num estado de espírito mais relaxado, fora dos muros da prisão. Estes momentos são importantes na vida e é bom que possamos aproveitá-los. A prisão é uma instituição inútil, divide relacionamentos, isola pessoas e destrói vidas. É por isso que o veredito, por mais agradável que seja do que “culpado”, não é uma vitória total para nós. Não esquecemos o que três anos de infiltração e posterior investigação significaram. Ales, Martin e Peter ficaram presos durante 27 meses no total, Lukas durante 7 meses e, antes disso, tinha estado um ano na clandestinidade. Todxs elxs ainda aguardam julgamentos (recurso do Fénix ​​1 e para alguns delxs e outrxs 2 companheirxs da Fénix ​​2). Alguns/mas delxs com possíveis sentenças de prisão perpétua, ainda no ar. Não vamos deixar esquecer que Igor – hoje considerado inocente – esteve com a mais difícil custódia, durante três meses, e ainda está a enfrentar restrições difíceis, declarando aos serviços de liberdade condicional há quase ano e meio. Além disso, ainda está sob risco de deportação da República Checa devido à sua permanência sob custódia.

As famílias, amigxs e pessoas mais próximas dxs réus e preso – bem como todxs aquelxs que são diretamente afetadxs pelo caso Fénix – estão a enfrentar uma grande pressão emocional e segregação. A polícia entrou em vários espaços e tem levado mais e mais pessoas para interrogatórios. A polícia está a utilizar práticas de abuso de poder, tais como levar as pessoas para a floresta, ameaçando xs parceirxs e pais e mães dxs suspeitxs. Uma lista do que foi feito durante as várias ações repressivas – e estamos apenas a falar dos últimos três anos – na cena anti-autoritária na chamada República Checa-  provavelmente seria longa e assustadora.

Em suma, é claro que não há nada para comemorar. A necessidade de esmagar o sistema opressivo ainda está em jogo, basta pensar numa estratégia melhor e encontrar novas formas de lutar. Em casos como o Fénix, é necessário entender do que realmente se trata. As unidades repressivas não têm medo de nós sózinhos, nem temem Martin, Peter, Sasha, Ales, Katarína, Radka, Igor, Lukas, Ales e xs outrxs acusadxs. O que os assusta é que mais e mais pessoas se identificam com as nossas ideias, especialmente se começarem a usar uma maior variedade de táticas. Os protetores do status quo investem muitas forças, energia e recursos para manter as pessoas na crença de que esta é a liberdade com a qual sonharam.

As pessoas anti-autoritárias e anarquistas que acreditam que podemos viver as nossas vidas de uma forma mais genuína do que a oferecida pelo neoliberalismo – e de que não precisamos de Estado e Política – podem oferecer uma alternativa que possa interferir com esse estilo de vida consumista.

A repressão é, então, vista como a ferramenta ideal para suprimir ideias. E por elas, o aparelho estatal quer nos desacreditar – através de meios sensacionalistas e rotulando-nos de terroristas – intimidando-nos, usando o encarceramento e dividindo o movimento entre “radicais” e xs “não-violentxs” e colocando-nos uns contra xs outrxs. Paralisando-nos com a paranóia.

A questão é, então, onde essa tentativa de repressão é bem sucedida e em que pontos podemos trabalhar sobre nós mesmxs. Como não cair em armadilhas que são invisíveis à primeira vista e como derrubar muros nas nossas cabeças. Dentro de nós mesmxs e entre nós e outras pessoas.

Como quebrar esses muros e construir pontes fora deles. Como superar o medo, obter aquilo pelo qual se está a lutar e respeitar cada qual. E por último, mas não menos importante, como não cair no desejo de ganhar num jogo que não é nosso e que só nos afasta de coisas e atividades importantes.

O caso Fénix ​​tornou-se um ponto crucial nas vidas de muitxs de nós. Podemos aprender muito com isso. Tomá-lo como um ponto de referência, para entender melhor como funcionam as estruturas de poder e para que nos entendamos mutuamente, bem como para analisar criticamente os nossos próprios erros. Não queremos fingir que temos as respostas para todas as perguntas. Mas aprendemos uma coisa. Se queremos que as nossas ações e a nossa organização sejam, realmente, efetivas e perigosas para as estruturas de opressão que nos mantêm sob controle, essas devem ser decorrentes de discussões coletivas e negociações que vão além dos esquemas fornecidos pelo estado. Aprendemos que não há motivo para nos escondermos da repressão, é melhor estar pronto para a enfrentar e criar condições que tornem essas operações inativas. No tempo em que as pessoas estiverem presas – primeiro discute-se se esta é a medida certa para implementar ou não, apenas após a prisão – há uma razão para continuar a lutar. Isso não quer dizer que, se o processo judicial acontecer na ordem oposta, a questão seja resolvida- em vez disso, precisamos imaginar um mundo completamente diferente. Um mundo sem prisões, fronteiras e polícia, onde devemos realmente resolver os problemas, em vez de nos espalhar por trás dos muros.

Fénix não é uma operação visando alguns/mas anarquistas ingénuxs, mas um ataque ao futuro da subversão como um todo. É também uma demonstração do poder policial e do trabalho dos agentes secretos do estado na democracia que ouvimos tão frequentemente como sinónimo de liberdade.

Não te deixes apanhar!

Em Solidariedade, Cruz Negra Anarquista, Praga, Equinócio de Outono de 2017.

“Os meus pilares de valores são: Vida, Justiça, Liberdade e Igualdade. As pessoas que constroem casos e querem aprisionar pessoas dificilmente entendem tais valores. Estou pronto para qualquer veredito, e levá-lo-ei de cabeça erguida. Um veredito que afetará a minha vida e a vida dos outros. “
Final do discurso de Martin Ignacak.

Nota:

*Em 1894, o julgamento Omladina, convocado na capital regional austro-húngara de Praga, colocou ostensivamente o anarquismo e o anarco-sindicalismo checo no tribunal, bem como condenando, especificamente, 68 nacionalistas checos por atividades radicais.

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