O seguinte texto do companheiro Nikos Maziotis, membro da Luta Revolucionária, com data de publicação de 6 de Novembro de 2014, dirigia-se então à Assembleia Aberta de Anarquistas/Anti-autoritárixs Contra as Condições de Detenção Especiais, propondo a sua transformação numa Assembleia de Solidariedade Para Todxs xs Presxs Políticxs e Lutadorxs Encarceradxs. Simultaneamente, tratava-se de uma convocatória aberta a todxs xs compas do entorno anarquista/anti-autoritário para apoiar e participar nesta iniciativa. O texto foi enviado a todxs xs presxs políticxs e lutadorxs encarceradxs.
Companheirxs, o texto que vos é dirigido diz respeito às prisões tipo C, para além de ser uma proposta para a transformação desta assembleia no que diz respeito à questão da solidariedade.
Companheirxs, a legislação das prisões de tipo C é um desenvolvimento previsível do ataque repressivo do Estado contra as Organizações Revolucionárias Armadas, contra a ação armada. É a continuação das alterações legislativas e das reformas que começaram há 14 anos e que estão directamente vinculadas às condições políticas e económicas impostas desde há anos a nível internacional – a “guerra contra o terrorismo” e as reformas neoliberais destinadas a impor a ditadura dos mercados, a ditadura do capital supranacional.
Como Luta Revolucionária, creio que desde 2003 temos analisado de maneira correcta as condições políticas e económicas do princípio da década passada – quando começamos a nossa acção – condições relativas à globalização do sistema capitalista. Tanto a “guerra contra o terrorismo”, lançada em 2001 após os ataques contra os Estados Unidos, como as reformas neoliberais que se levaram a cabo com o objectivo da ditadura do capital multinacional, não revelam mais do que o carácter político-militar e económico da globalização. Assim, o sistema procede a medidas de repressão cada vez mais duras – com o objectivo de impor a ditadura dos mercados – e tende cada vez mais para o totalitarismo.
Durante esse mesmo período, na Grécia, realiza-se a abertura da economia grega ao capital supranacional, após o denominado escândalo da Bolsa de 1999, através da integração do país na União Económica e Monetária (UEM) e na zona Euro em 2002. Portanto, não por acaso que no mesmo período, inclusive com um atraso em relação à Europa ocidental e aos EUA, o Estado grego procedesse à legislação da primeira lei antiterrorista, em 2001, lei elaborada pelo então ministro da justiça Stathopoulos. Esta lei foi votada após pressão dos EUA e Reino Unido, assinalando membros das organizações armadas revolucionárias e mais especificamente a 17 Novembro (17N), que era a única organização guerrilheira activa nesse momento. Esta lei foi denominada “lei contra o crime organizado”, e apareceu com o propósito evidente de servir a táctica do Estado de desmontar as características políticas das Organizações Revolucionárias armadas, despolitizá-las e retirar-lhes a ideologia, na sua acção, apresentando xs membrxs como criminosxs comuns do código penal. Com base nesta lei foram julgadxs xs acusadxs pelos casos da 17 Novembro e Luta Popular Revolucionária (ELA na sigla em grego) em 2003 e 2004, respectivamente.
No entanto, apesar do facto desta lei apontar para membros das Organizações Revolucionárias armadas, o Estado utiliza-a, agora, num endurecimento mais amplo da repressão penal, no que concerne aos delinquentes comuns, a quem condenam com a agravante de “participação em organização criminosa”, pondo quase em desuso o artigo de delito menor de “formação e participação em bando”. E isto teve como resultado o aumento das penas em geral. Mas não confundamos causa e efeito. A lei de Stathopoulos, a primeira lei antiterrorista, foi feita principalmente para xs membros das Organizações Revolucionárias armadas, só que o resultado foi a generalização da sua aplicação aos casos de delinquência organizada.
Três anos depois, em 2004, a lei do ministro Papaligouras – durante o governo de Karamanlis e da Nova Democracia – a segunda lei antiterrorista, surge para aclarar as coisas, visto que fala da “formação de organização terrorista” e de “actos terroristas”, que “de certa maneira e sob certas circunstâncias, é possível que causem danos ou destruam as estruturas políticas e económicas fundamentais constitucionais do país”. Apesar do sistema não reconhecer inimigxs políticxs, a lei de Papaligouras reconhece a existência e a actividade de organizações armadas que ameaçam as estruturas constitucionais, políticas e económicas fundamentais, atribuindo assim, na realidade, características políticas à sua ação. Na mesma lei existe também a agravante de “direção de organização terrorista”, procurando por um lado aumentar a pena para xs acusadxs e condenadxs como directorxs ou líderes de “organizações terroristas” e por outro lado no intuito de confirmar que não há outra forma de organização social aparte da organização hierárquica da sociedade actual, onde dominam o Capital e o Estado. Foi com base na lei de Papaligouras – também votada sob a pressão dos Estados Unidos em vésperas dos Jogos Olímpicos de 2004 – que foram realizados todos os julgamentos das Organizações Revolucionárias armadas, tanto da Luta Revolucionária, como da Conspiração de Células de Fogo.
Assim, a legislação para as prisões tipo C, é a continuação lógica e a consequência das duas leis anti-terroristas de 2001 e 2004, além da lei de 2003 que estabelece a cooperação internacional a nível policial e judicial – entre a Grécia, a União Europeia e os EUA – no âmbito do combate à acção armada revolucionária. Esta lei vem preencher um vazio na política repressiva grega e alinhá-la com a da União Europeia e a dos EUA, visto que na Europa e nos EUA, juntamente com as leis antiterroristas existentes a partir dos anos 70 e 80 – quando muitos países se confrontaram com problemas graves devido à acção de Organizações Revolucionarias armadas – existem também as prisões com regimes de detenção especiais para xs membros destas organizações.
O mesmo sucedeu na Turquia, nos princípios da década de 2000, quando se construíram las prisões de tipo F, sobretudo para os membros das Organizações Revolucionárias de esquerda que realizam a luta armada – e todos se recordarão da luta dxs membros presxs dessas organizações, que realizavam greves de fome até à morte, ou se auto-imolavam para evitarem ser transferidxs às prisões tipo F.
O entorno anarquista/anti-autoritário deve fazer o óbvio e ver as coisas objectivamente. As prisões tipo C são principalmente para os acusados por luta armada, independentemente de terem assumido a responsabilidade política da sua participação nas organizações às quais pertencem, ou se recusam as acusações. E isto não se anula pelo facto de nessas prisões encarcerem também outros presos de delito comum de longas penas, que foram condenados com a lei de “organização criminosa”. O que se escreveu num texto da Assembleia pelas prisões de tipo C acerca da “construção de culpáveis” não é nada certeiro. Que não se busquem caças de bruxas onde não as há. Os julgamentos que se levam a cabo contra compas por participarem em “organização terrorista”, por “actos terroristas” que poderiam lesar as estruturas constitucionais, políticas e económicas fundamentais do país, são julgamentos que pretendem a condenação de Organizações Revolucionárias armadas específicas, e isto independentemente de nestes julgamentos também estarem compas que recusem as condenações. Ser anarquista não é um idiónimo, pelo menos por agora.[idiónimo: referência à lei de 1929, onde ser comunista se considerava um delito per se, e que foi utilizada para mandar milhares de pessoas para o exílio, em ilhas gregas desertas]
Mas tanto a legislação antiterrorista como as prisões, nas quais tentam isolar-nos, dão um sinal claro por parte do Estado ao entorno anarquista/anti-autoritário e à sociedade. Quem escolhe a luta armada como forma de acção terá um tratamento penal predatório se o detêm ou o encarceram sob um regime especial, nas condições de crise económica mundial que se desenvolveram desde 2008, onde o regime, além do sistema económico e político, perdeu o consenso social de que desfrutava antes da crise, e porque nestas condições a luta armada é um factor desestabilizador e debilitante para o sistema. E isto é algo que os executivos do regime referiam em relação à Luta Revolucionária tanto em 2010 – quando fomos detidxs pela primeira vez – como na recente detenção do anarquista Antonis Stamboulos, acusado de participação na Luta Revolucionária, onde o ministro da ordem pública, Vassilis Kikilias, ligou directamente a ação – ou a ameaça de ataques da organização – à desestabilização do sistema num período especialmente delicado para ele.
A legislação das prisões de tipo C, como consequência e continuação do ataque repressivo do Estado aos lutadores, que optem pela luta armada, tem como objectivo dobrar, através do isolamento, os membros das Organizações Revolucionárias armadas e os acusados de participar nestas organizações, degradá-los como sujeitos políticos e incluso fazê-los renunciar à luta armada.
Ainda que na Grécia – através das recentes reformas sobre as prisões de tipo C – existam mudanças no código penal e o procedimento criminal a respeito da luta armada não existem artigos como em Itália, onde se pede a renúncia à luta armada, juntamente com a facilitação de informações, para que seja menos dura a situação para o preso, aqui isto é um objectivo perseguido de uma maneira mais indirecta. A permanência nas prisões de tipo C – para além do mínimo de 4 anos que a lei determina – será para os não arrependidos, visto que o juiz competente determinará se se ampliará este período ou não face à gravidade das ações, mas também com base no carácter e na personalidade do preso. Torna-se óbvio, então, que quem permaneça não arrependido e firme, durante as eleições – eleições de luta pelxs que assim se encontrem – será considerado perigoso para a ordem e a segurança pública e a sua permanência nas prisões tipo C será prolongada por tempo indefinido, até ao final da sua condenação.
A ação contra as prisões de tipo C só pode ser parte de solidariedade com todos os presos políticos e os combatentes presos nas prisões gregas a ser transferidos para prisões tipo C. E isto independentemente da diversidade de casos, ou se o presos políticos assumiram a responsabilidade pela sua participação nas organizações a que pertencem ou pertenceram, ou são acusados de envolvimento em organizações guerrilheiras e rejeitaram as acusações, ou se eles são anarquistas acusados de expropriações de bancos.
Companheirxs – justamente porque a ação contra as prisões de tipo C não pode ser outra coisa que parte da solidariedade com todxs xs presxs políticxs e lutadorxs encarceradxs – proponho a transformação da assembleia contra as prisões de tipo C numa assembleia de solidariedade com todxs xs presxs políticxs e lutadorxs encarceradxs, não só com xs condenadxs ou acusadxs de participar em Organizações Revolucionárias, também com companheirxs que se confrontam com a repressão do Estado, acusadxs por outras formas de luta – manifestações, ocupações ou confrontos, ou confrontos nas ruas com a polícia.
É contraditório e paradoxal que alguém se mobilize contra as prisões tipo C e simultaneamente não se solidarize com os companheiros presos a serem transferidos para prisões tipo C. É um défice político sério que haja dezenas de presxs políticxs e lutadorxs encarceradxs e não exista uma assembleia de solidariedade com elxs. A solidariedade é uma posição e postura políticas. É um elemento chave em toda a mobilização ou ambiente político que queira ter características de movimento. Solidariedade significa que xs lutadorxs presxs e formas de luta que eles escolheram – e pelas quais estão na prisão – fazem parte da luta comum, a luta pela Revolução, pela Anarquia e pelo Comunismo. Solidariedade significa que acreditamos que a luta armada e a guerrilha são parte da luta pelo movimento pela revolução social. Portanto, qualquer um que discorde deste princípio não pode ser solidárix, ou fingir que é solidárix com xs companheirxs que estão na prisão e que defendem a ação armada como uma opção de luta.
Isto, naturalmente, não significa que xs solidárixs, o entorno ou o movimento não possam fazer críticas às posições, discurso ou às ações das Organizações Revolucionárias, sempre que esta crítica seja de boa fé, com argumentos puramente políticos, não com calúnias, injúrias e aforismos. Para se demonstrar, finalmente, que a postura que diz que “a solidariedade não equivale à identificação” é sincera e não uma desculpa para aquelxs que não estão de acordo e condenam a luta armada e a guerrilha, mas sem ter a coragem política para o dizer aberta e publicamente, e que demonstram uma “solidariedade” seletiva para com aqueles que são declarados inocentes e rejeitam as acusações, mas voltam as costas aos/às que defendem a luta armada e assumem a responsabilidade política da sua participação em organizações a que pertencem.
A Solidariedade não é selectiva porque se o for então não é solidariedade. A Solidariedade não tem critérios pessoais, de amizade, de família ou parentes. A solidariedade não é a distinção entre culpados e inocentes, nem a distinção entre casos de organizações e indivíduos.
A solidariedade não faz distinções entre presxs anarquistas e comunistas, nem tem características nacionais. A solidariedade não é a separação das formas de luta, a promoção de binário “luta de massas ou luta armada”, “legalidade ou ilegalidade”, a separação entre a luta armada e o movimento, ou a linha divisória entre “a parte em conflito mas não armada da anarquia” e “a parte anarquista armada”.
Repito que a solidariedade tem apenas um critério político: que xs presxs e as formas de ação que estxs escolheram – como a luta armada, a guerrilha urbana ou qualquer outro tipo de acção pela qual se encontram na prisão – são parte da luta comum do movimento pela derrubada do Capital e do Estado, pela Revolução Social. Aquelxs para os quais este critério não significa nada são os informadores e os denunciantes, como Tzortzatos, que se chibou dxs companheiros no caso da 17N, sem pressão ou violência e tortura, e Giotopoulos, que condenou a ação da 17N nos tribunais.
Proponho, portanto, a transformação do assembleia pelas prisões de tipo C numa assembleia de solidariedade pelxs presxs políticxs e lutadorxs encarceradxs. Não só para xs encarceradxs pela ação armada mas também por qualquer outra forma de luta. É lógico que as ações de solidariedade desta assembleia incluirão nas suas actividades as relacionadas com as prisões de tipo C
É hora de que cada companheirx assuma as suas responsabilidades e tome uma posição clara e explícita sobre a questão da solidariedade. Qualquer subterfúgio demonstra que a solidariedade não é uma arma, apenas uma palavra vazia de sentido. Um cadáver na boca de muitos. Assim, convido todxs xs compas dentro e fora da prisão a tomarem uma posição e atitude políticas para que se abra un diálogo sobre a proposta de criação de uma assembleia de solidariedade.
Se o entorno anarquista/anti-autoritário quer simplesmente esquecer xs presxs do Estado e deixá-los a apodrecer na prisão, então está a esquecer a própria luta.
Nikos Maziotis, membro da Luta Revolucionária
Prisões de Diavata