Recebido a 10 de Março de 2017
Estas palavras (2/02) chegam-nos com o atraso próprio das comunicações restritivas nos centros de extermínio espanhóis. A 7 de Março de 2017, xs companheirxs conseguiram, finalmente, ser expulsos para o Chile – depois de verem ser reduzida a sua pena de prisão, em Dezembro de 2016, a 4 anos e meio de prisão – onde foram recebidos com um grande despique jornalístico e ameaças repressivas. Hoje, por fim, Mónica e Francisco voltaram a pisar as ruas com a dignidade intacta.
*Afinidade e solidariedade contra o vitimismo e a autoridade*
Na luta para romper com o estabelecido, buscamos e criamos formas de nos relacionarmos que sejam contrárias à imposição e autoridade. Formas de nos fazer sentir cómodos para nos desenvolvermos autonomamente quando propomos e realizamos iniciativas de confronto diário. Assim, entendemos que a afinidade representa a maneira mais adequada de nos relacionarmos entre anarquistas, não sendo essa fruto de palavras de ordem vazias, repetidos até à exaustão, mas sim o resultado de práticas e visões compartilhadas que ajudam a gerar laços perduráveis de companheirismo e fraternidade que ultrapassam a simples amizade.
A confiança e carinho que subsiste do fato de se sentir e saber que se compartilham ideias em rebelião permanente são o sustento e a força da afinidade que se reforça e desenvolve, no conjunto de práticas anti-autoritárias. Essas ideias, por sua vez, são inseparáveis da nossa opção de vida, opção que reforça o pensamos e reafirma o que fazemos. É através destas relações que crescemos individualmente, ao ter a possibilidade inegável de actuar sem restrições, o que vai impedir a génese de comportamentos burocráticos e autoritários, cortando pela raiz qualquer tentativa de concentração de poder.
Os críticos a esta tomada de posição notam que, desta forma, é impossível incidir na “realidade social” e que se converte o anarquismo numa espécie de gueto. Nós respondemos que não entendemos o anarquismo como um partido político que se serve de todas as estratégias para engrossar quantitativamente as suas fileiras, a fim de alcançar certa hegemonia. Pensamos que os meios devem, necessariamente, ser coerentes com os fins, pelo que resulta contraditório pretender a libertação total com base nos meios que a coagem. O anarquismo é para nós, especialmente, uma tensão onde a iniciativa individual desempenha um papel central, não uma realização.
Nesta experiência de confinamento que agora chega ao fim, vivemos o nascimento, fortalecimento e consolidação de relações de afinidade. Os nossxs companheirxs deram conteúdo à palavra solidariedade, enchendo-nos de força e orgulho. Superando dificuldades, que têm sido muitas e variadas, foi possível tomar em conjunto posições e iniciativas, a partir das quais temos aprendido muito. A vontade e a determinação dxs nossxs companheirxs, embora soe repetitivo, destruiu muros, grades e quilómetros de distância, eliminou qualquer trama do poder destinada ao isolamento e à incomunicação. Tentamos, e acreditamos que foi conseguido estabelecer um ligação distante e contrária a condutas assistencialistas, onde x presx seja vistx como “uma pobre vítima do sistema, objeto de atrozes injustiças”. Partindo do princípio de que, como anarquistas, nos encontramos num confronto permanente com o poder e que isso tem as suas consequências, tornou possível implementar uma solidariedade ativa e combativa, com uma linha discursiva clara e inequívoca. A ideia – força “nem culpados nem inocentes, simplesmente anarquistas” refletiu e reflete o nosso posicionamento perante a prisão e a repressão, tanto para aquelxs que estão dentro como para com xs solidárixs e represaliadxs que se encontram fora. Representa uma forma de viver e estar na prisão ligada à intransigência, o que abre inumeráveis caminhos de ação para xs
companheirxs que trilham as ruas, caminhos que tentam destruir o poder por não entrar nas suas categorias e serem contrários à sua lógica predadora.
*Quando os golpes recebidos representam uma oportunidade*
A onda de repressão, consubstanciada nas operações Pandora e Piñata, representou o mais duro golpe recebido po anarquismo neste território desde os anos 80. Ele claramente tentou eliminar um sector do movimento anarquista pela via rápida que se refere ao assédio, perseguição e prisão. Claramente a magnitude do ataque estatal teve as suas consequências, como não poderia ser de outra forma. Foram muitas as iniciativas que se viram desfeitas, espaços que foram literalmente saqueados pela fúria repressora e o temor a se verem envolvidxs nas fantasias paranóicas do poder, gerando um certo imobilismo que pouco a pouco começa a ser superado.
No entanto, na nossa opinião, por grosseira e inconsistente que nestes casos tenha sido provado ser a teoria da polícia, este golpe representa uma oportunidade para destacar as debilidades do estado – que usa as suas estratégias clássicas de confinamento e intimidação para tentar reduzir e eliminar todxs aquelxs que não consegue domesticar. Junto com isso, acreditamos que estas operações estão intimamente relacionadas com o auge de movimentos de cidadãos e sua incorporação nas instituições; aquelxs que se recusam a jogar o jogo democrático aguarda-os a prisão. Portanto, ao se abordar o que significaram estes golpes e realizar a solidariedade, pensamos que é essencial entender que os movimentos de cidadãos transformados em partidos políticos – ao optarem pela via institucional – não representam em nenhum caso um aliado, antes constituem mais uma das engrenagem do poder com a qual não temos nada a ver.
Mediante as operações Pandora e Piñata, como tem sido dito repetidamente, tentaram-se atacar algumas ideias e práticas que se lhe opõem radicalmente. Prova disso é que nenhum dxs nossxs companheirxs imputadxs foi acusado de ações concretas. O que se pretende punir é um modo de vida, uma opção de luta para combater o estabelecido e uma atividade anti-autoritária permanente, que em menor ou maior grau, influenciou vários espaços e entornos. O continuar a transitar por caminhos de ruptura constitui, só por si, uma pequena vitória ao demonstrar que, ainda que o Estado nos mostre a sua pior cara, não nos dobra. Assim, acreditamos que a solidariedade com os represaliadxs deva ser transgressora e ofensiva, longe de discursos pessimistas e de vitimização. Usar toda a nossa criatividade, limitada apenas pelos nossos princípios anárquicos, é crucial na atividade de solidariedade e para que saiamos fortalecidxs desta experiência. Na guerra contra a dominação toda a ação é necessária.
Finalmente queremos enviar todo nosso carinho e força aos e às nossxs companheirxs na Alemanha, acusadxs de roubo a uma sucursal bancária e que durante estes últimos meses têm enfrentado um duro julgamento. Pensamos nelxs a cada momento – e o orgulho e a alegria que demonstram são também os nossos ao ter a possibilidade de sermos vossxs companheirxs.
Hoje e sempre mão aberta ao/à companheirx e punho cerrado ao inimigo